As geleiras que conhecemos podem desaparecer nos próximos anos se continuarmos com o clima da última década. Essa é a principal conclusão a que chegou uma equipa internacional de investigadores que calculou o possível desaparecimento dessas maravilhas da natureza até o final do século, com base nos diferentes cenários de aquecimento que podem ocorrer.
O estudo, conduzido por investigadores da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), do Instituto Federal Suíço de Investigação Florestal, Neve e Paisagem e da Universidade Vrije de Bruxelas, foi publicado esta segunda-feira na revista Nature Climate Change e apela à adoção de medidas ambiciosas para travar as alterações climáticas.
Cada décimo de grau pode fazer uma diferença abismal
«Pela primeira vez, calculámos quando cada um dos glaciares da Terra desaparecerá», afirma o autor principal, Lander Van Tricht, glaciologista da ETH de Zurique. Os cientistas calcularam pela primeira vez quais serão os glaciares do mundo que deixarão de existir primeiro e qual seria o calendário em que os restantes desapareceriam devido às alterações climáticas.
Uma das descobertas mais relevantes é que as regiões com muitas geleiras pequenas em altitudes mais baixas ou próximas ao Equador são as mais vulneráveis à perda das massas de gelo. Entre elas estão os Alpes, o Cáucaso, as Montanhas Rochosas e partes dos Andes e das cordilheiras africanas, que se encontram em latitudes baixas.
«Nestas regiões, espera-se que mais de metade de todos os glaciares desapareçam nos próximos 10 a 20 anos», destaca Van Tricht.
Quantos sobreviverão?

Tendo em conta o aumento exponencial do aquecimento global atual, os cientistas modelaram o ritmo de recuo das geleiras para cenários em que aumenta 1,5 graus, 2 graus ou 4 graus acima dos níveis pré-industriais no final do século.
A nível planetário, com um aumento de mais de 4 graus na temperatura global em 2100, restariam apenas cerca de 18 000 glaciares no planeta, em comparação com os 100 000 que se manteriam se não se ultrapassassem os 1,5 graus.
No caso dos Alpes, com um aumento de 1,5 graus, apenas 12% das geleiras sobreviveriam até ao final do século (aproximadamente 430 das 3.000 que ainda restam em 2025). Com mais de 2 graus, restariam apenas 8% (cerca de 270 glaciares) e, com mais 4 graus, restariam apenas 20 glaciares (1%).
Nas Montanhas Rochosas, na América, cerca de 4.400 glaciares resistiriam num cenário de aumento de 1,5 graus (25% dos 18.000 glaciares atuais); enquanto que com 4 graus restariam apenas 101 (o que representa uma perda de 99%).
Nos Andes e na Ásia Central, cerca de 43% dos glaciares sobreviveriam a um cenário de aumento de 1,5 graus; mas com 4 graus, apenas cerca de 950 glaciares resistiriam nos Andes (uma perda de 94%) e apenas cerca de 2.500 na Ásia Central (o que representa uma diminuição de 96%).
Vários picos de extinção
Os investigadores também calcularam o que chamam de «pico de extinção de glaciares», que ocorreria quando o número de glaciares que desaparecem em um único ano atingisse o seu máximo. Após esse pico, as taxas de perda anual diminuem porque a maioria dos glaciares menores já desapareceu.
Com um aumento de 1,5 graus, o pico de extinção seria atingido por volta de 2041, quando aproximadamente 2.000 glaciares desapareceriam em apenas um ano. Já com um aumento de 4 graus, o pico seria adiado para 2055, mas significaria a perda de cerca de 4.000 glaciares em um ano.
«Que o pico ocorra mais tarde com um aquecimento mais intenso pode parecer paradoxal. A razão reside no facto de que, em condições mais quentes, não só os glaciares pequenos derretem completamente, como também desaparecem os maiores», salienta outro dos autores, o professor de Glaciologia da ETH de Zurique, Daniel Farinotti.

Implicações políticas, económicas e culturais
Os autores sublinham que, em relação a estudos anteriores que se concentravam em medir a perda de glaciares por massa e volume (o que permitia fazer projeções sobre o aumento do nível do mar e a gestão dos recursos hídricos), esta nova abordagem tem outras implicações políticas, económicas e culturais.
Metade dos glaciares pode desaparecer antes do final do século, ameaçando populações e ecossistemas
«O derretimento de um pequeno glaciar contribui muito pouco para o aumento do nível do mar. Mas quando um glaciar desaparece completamente, isso pode afetar gravemente o turismo numa região», observa Van Tricht a esse respeito. «Isso também significa que cada décimo de grau conta para frear o declínio. É preciso adotar medidas climáticas ambiciosas com urgência», sublinha Farinotti.
